sábado, julho 26, 2014

Comentários Eleison: A França Se Mexe

Comentários Eleison – por Dom Williamson
CCCLXVII (367) - (26 de julho de 2014): 

A FRANÇA SE MEXE


            Muitos de vocês sabem que na terça-feira e na quarta-feira da semana passada realizou-se, no convento dos Dominicanos de Avrillé, perto de Angers, no Noroeste da França, uma reunião de sacerdotes resistentes provenientes de todos os lugares em que a “Resistência” está operando e avançando, mas principalmente da França. Essa foi a terceira reunião dos sacerdotes franceses em Avrillé desde o início do ano, e a mais importante. Desta vez eles começaram a coordenar e a organizar as suas atividades na França, um país frequentemente, e de várias formas, decisivo para a Igreja.

            O mérito por convocar essas reuniões é do Prior de Avrillé, Pe. Pierre-Marie. Por muitos anos Avrillé vem oferecendo apoio e servindo de refúgio para os padres da Fraternidade Sacerdotal São Pio X, cuja vida sacerdotal têm se tornado mais e mais difícil sob a sua atual liderança, cuja busca pela reconciliação com a Neoigreja em Roma é, a despeito do disfarce e das negações, incessante. Há apenas umas poucas semanas, o Segundo Assistente da Fraternidade teria declarado: “O trem está partindo para Roma, e aqueles que querem sair, sairão”. O Pe. Pierre-Marie tentou não romper as relações com a FSSPX oficial até onde lhe foi possível, mas no início deste ano chegou a carta de Dom Fellay selando a ruptura. Era inevitável, a menos que Avrillé também traísse a Tradição.

            A reunião da semana passada havia sido originalmente destinada para os padres franceses pelo Pe. Pierre-Marie, mas eu sugeri a ele que os sacerdotes resistentes de fora da França também fossem convidados, por um motivo duplo: os sacerdotes de fora poderiam ser encorajados ao ver a “Resistência” se mexendo na França, onde tinha se mexido pouco – aparentemente – até agora; e os padres da França, por sua vez, poderiam ser lembrados de que não há apenas a “Resistência” na França. O Pe. Pierre-Marie aceitou a minha sugestão, e foi assim que chegaram dezoito padres no total.      

            Foi tudo muito bem na reunião. Pouco se olhou para o passado e sem amargura, e muito se olhou para o futuro. O primeiro assunto do dia teve maior relevância para sacerdotes franceses. Eles começaram por nomear como seu coordenador o Pe. de Mérode, um sacerdote da Bélgica com 30 anos de experiência na FSSPX em todo o mundo. Então, eles escolheram para a sua organização recém-criada o nome de “União Sacerdotal Marcel Lefebvre”, que exprime claramente a sua orientação. Por fim, o Pe. de Merode começou a organizar uma rede de centros de Missa por toda a França – de volta aos anos 70, mas em condições mais severas e com recursos muito limitados, ao menos neste momento.

            O assunto do segundo dia foi referente às preocupações internacionais referentes à defesa da Fé, e aqui, é claro, surgiu a questão das consagrações episcopais – pois eu, pelo menos, queria saber o que pensavam os sacerdotes presentes. Houve relativa unanimidade. Os leitores ficarão animados ao saberem que ainda que pensem os sacerdotes que o tempo para as consagrações não é ainda chegado, ele, porém, não está muito distante. Pois, de fato, é atualmente muito difícil de imaginar que qualquer um dos três bispos que permanecem dentro da empresa FSSPX realize uma consagração sem a aprovação de Roma, e é impossível imaginar que a Roma neomodernista aprove qualquer candidato antimodernista! Paciência.

            Orem, tanto para o êxito da recém-criada União Sacerdotal, como para Deus nos dar, no tempo devido, mais bispos que sejam imprescindíveis para a defesa da Fé.


Kyrie eleison.

sábado, julho 19, 2014

Comentários Eleison: A Prioridade da Tradição

Comentários Eleison – por Dom Williamson
CCCLXVI (366) - (19 de julho de 2014): 

A PRIORIDADE DA TRADIÇÃO


            A palavra “Magistério”, que vem do latim para “mestre” (“magister”), significa na Igreja tanto o ensinamento autorizado da Igreja como seus Mestres autorizados. Pois bem, da mesma forma que um mestre é superior ao ensinado, o Magistério é superior ao povo católico que é por ele ensinado. Mas os Mestres católicos têm livre-arbítrio, e Deus lhes dá liberdade para errar. Assim, se eles erram gravemente, pode o povo resistir e dizer, todavia respeitosamente, que estão errados? É na verdade que se encontra a resposta, e por isso a pergunta pode se tornar confusa quando a maioria das pessoas dela se distancia, tal como acontece nos dias de hoje.

            Por um lado é certo que Nosso Senhor dotou a Sua Igreja com uma autoridade de ensino, para ensinar a nós, seres humanos falíveis, que só a Verdade pode nos levar para o Céu – “Pedro, confirma teus irmãos”. Por outro lado, Pedro devia apenas confirmá-los na fé que Nosso Senhor lhe havia ensinado – “Eu roguei por ti, para que a tua fé não falte; e tu, uma vez convertido, confirma os teus irmãos” (Lc 22, 32). Em outras palavras, essa fé governa Pedro, que tem como função apenas guardá-la e expô-la fielmente, tal como foi depositada nele, o Depósito da Fé, que deve ser transmitido para sempre como Tradição. A Tradição ensina a Pedro, que então ensina ao povo.

            O Vaticano I (1870) diz a mesma coisa. Os católicos devem crer em “todas as verdades contidas na palavra de Deus ou naquelas transmitidas pela Tradição”, que a Igreja propõe, por meio de seu Magistério Extraordinário ou Ordinário Universal (recorde-se que sem a Tradição em seu sentido mais amplo não haveria a “palavra de Deus”, ou seja, a Bíblia), como divinamente revelada. O Vaticano I diz ainda que seu Magistério é dotado da infalibilidade da Igreja, mas essa infalibilidade exclui o ensinamento de qualquer novidade. Então, a Tradição em seu sentido amplo governa o que o Magistério pode dizer que ela é, e enquanto o Magistério tem autoridade para ensinar dentro da Tradição, não tem autoridade para ensinar ao povo qualquer coisa fora dela.

            No entanto, as almas precisam de um Magistério vivo para ensiná-las a verdade da salvação dentro da Tradição católica. Essas verdades são imutáveis, assim como Deus ou a Sua Igreja, mas as circunstâncias do mundo onde a Igreja opera mudam constantemente, e assim, de acordo com a variedade dessas circunstâncias, a Igreja precisa de Mestres vivos a fim de variar frequentemente as apresentações e explicações das verdades invariáveis. Portanto, nenhum católico em seu juízo normal contesta a necessidade que se tem dos Mestres vivos da Igreja.

            Mas e se esses Mestres alegam que há algo dentro da Tradição que, na realidade, não está lá? Por um lado, eles são homens instruídos, autorizados pela Igreja a ensinar ao povo, e o povo é relativamente ignorante. Por outro lado, há o famoso caso do Concílio de Éfeso (428), onde o povo se insurgiu em Constantinopla para defender a Maternidade divina da Santíssima Virgem Maria contra o herético Patriarca Nestor.

            A resposta é que a verdade objetiva está igualmente acima dos Mestres e do povo, de modo que se o povo tem a verdade do seu lado, ele será superior aos seus Mestres caso estes não tenham a verdade. Por outro lado, se o povo não tem a verdade, não tem direito de se insurgir contra os Mestres. Em suma: se ele está com a verdade, ele tem o direito; se não está, não o tem. E o que diz se ele está com a verdade ou não? Nem (necessariamente) os Mestres, nem (menos necessariamente ainda) o povo, mas a realidade, mesmo que os Mestres ou o povo, ou ambos, estejam a conspirar para abafá-la.


Kyrie eleison.

domingo, julho 13, 2014

Comentários Eleison: O Acordo Já Está Aí

Comentários Eleison – por Dom Williamson
CCCLXV (365) - (12 de julho de 2014): 


O ACORDO JÁ ESTÁ AÍ


            Em 13 de dezembro do ano passado, na Casa de Santa Marta, em Roma, o Papa, que lá atualmente vive, encontrou-se brevemente com Dom Fellay, Superior Geral da Fraternidade Sacerdotal São Pio X. A Fraternidade nega oficialmente que esse encontro tenha tido algum significado, mas um tal de Giacomo Devoto (G.D.), um comentarista italiano que possui alguma familiaridade com o modus operandi de Roma, argumenta que há nisso provas de que foi estabelecido um acordo Roma-FSSPX. Vejam em: http://www.unavox.it/ArtDiversi/DIV812_Devoto_Notizia_intrigante.html  

Resumidamente:

            Na manhã do dia 13, Dom Fellay e seus dois Assistentes que integram a liderança da FSSPX, encontraram-se no Vaticano com os líderes da Comissão Ecclesia Dei por convite do Monsenhor Guido Pozzo, reintegrado à Comissão pelo Papa Francisco para tratar das relações problemáticas entre Roma e a FSSPX. Uma publicação oficial da Fraternidade, a DICI, alegou que esse encontro foi meramente “informal”; mas G.D. diz que, mesmo sendo informal, ele não pode ter ocorrido sem que tenha havido previamente uma série de contatos discretos com o propósito de reparar a ruptura das relações ocorrida em junho de 2012. G.D. acrescenta ainda que esse tipo de encontro é uma fase preliminar necessária para qualquer reunião “formal”.

            De qualquer modo, depois desse encontro, Dom Guido Pozzo, Dom Di Noia e os três membros da liderança da FSSPX foram almoçar na Casa de Santa Marta, onde o Papa normalmente almoça. Quando, após a refeição, este se levantou para sair, Dom Fellay foi ao seu encontro. Eles trocaram umas poucas palavras diante dos demais presentes, e o Bispo beijou-lhe o anel (ou ajoelhou-se diante dele para receber a benção, de acordo com o Vatican Insider de Roma). E mais uma vez DICI minimizou a importância do ocorrido afirmando não se tratar de nada mais que um encontro casual com uma espontânea troca de cortesias. De encontro a isso, G.D. mantém, e com razoabilidade, que mesmo tendo sido um encontro “casual”, não poderia ter ocorrido sem o consentimento do Papa.
           
            Além disso, diz G.D. que na arte da diplomacia tais encontros se dão para que suavemente se “quebre o gelo”, e proporcionam uma elasticidade na maneira de interpretá-los, destinada a significar muito ou pouco de certos aspectos, conforme se pretende. Por um lado, o contato cortês ocorreu de modo a ser notado por todos, em um lugar freqüentado por membros da Neoigreja, e ele poderia ser entendido como um apoio papal ao que ocorreu na reunião da manhã com a Comissão. Por outro lado, as circunstâncias permitiram que tanto Roma como a FSSPX pudessem negar com plausibilidade que o encontro tenha tido qualquer significado real para além de uma simples troca de cortesias.
           
            Assim, depois que os rumores começaram a circular no início deste ano, a FSSPX negou por meses que teria havido qualquer discussão sobre um acordo entre Roma e a FSSPX. Só no dia 10 do mês de maio é que a DICI admitiu ter havido algum contato entre o Papa e Dom Fellay, e então tentou minimizar demasiadamente a importância do evento, o que para G.D. foi um sinal claro de que um acordo havia sido estabelecido em privado. (Na política moderna, como diz o ditado cínico, nada pode ser tido por verdadeiro até que seja oficialmente negado.)

            Na realidade, o problema principal agora para o Papa Francisco e para Dom Fellay não é como chegar ao acordo pretendido por ambos, mas como fazer para que os mais progressistas e os mais conservadores aceitem tal acordo. Contudo, isso está sendo resolvido por eles no dia a dia, já que a Fraternidade, outrora gloriosa em sua defesa da Fé, está se transformando na ingloriosa Neofraternidade. Pois, efetivamente, quantos bispos da Neoigreja continuam a temer a Neofraternidade como uma ameaça à Neoigreja? E quantos sacerdotes da FSSPX continuam convencidos de que qualquer acordo com Roma seria um desastre, especialmente se lhes é prometido que “não terão de mudar nada”? Tal acordo dificilmente precisará ser anunciado. Em muitas mentes e corações ele já está aí.

Kyrie eleison.

sábado, julho 05, 2014

Comentários Eleison: Cardeal Pie II

Comentários Eleison – por Dom Williamson
CCCLXIV (364) - (05 de julho de 2014): 


CARDEAL PIE II

            A citação do Cardeal Pie feita semana passada (cf. CE 363) continua exatamente como se segue:

            “Em tais circunstâncias extremas e desesperadas, nas quais o mal assumiu o controle de um mundo que em breve será consumido em chamas, o que devem fazer todos os verdadeiros cristãos, todos os homens bons, todos os santos, todos os homens com alguma fé e coragem? Ao lidar com uma situação que está hoje mais clara do que nunca, com uma energia redobrada por suas preces fervorosas, por suas obras ativas e por suas lutas destemidas, eles dirão: Ó Deus, ó Pai no Céu, santificado seja o vosso nome, assim na terra e no Céu, Venha a nós o Vosso Reino, assim na terra como no Céu, seja feita a vossa vontade, assim na terra como no Céu. Assim na terra como no Céu! E eles ainda continuarão a murmurar estas palavras quando a terra mesma ceder sob seus pés.

            E, assim como foi no passado, quando, depois de um terrível desastre militar, todo Senado Romano e todas as fileiras do Estado foram de encontro ao cônsul derrotado para congratulá-lo por não ter perdido a esperança na República Romana; assim também o senado do Céu, todos os coros dos anjos e todas as fileiras dos Bem-Aventurados sairão ao encontro dos generosos atletas da Fé que terão lutado até o fim, esperando contra a própria esperança.

            Então, esse ideal quase inalcançável que os eleitos de todas as épocas têm perseguido obstinadamente, se tornará realidade. Em Seu Segundo e derradeiro Retorno, o Filho entregará o Reino deste mundo a Seu Pai, e o poder do mal terá sido expulso para as profundezas do abismo por todo o sempre; tudo o que se recusou a ser assimilado e incorporado em Deus através de Jesus Cristo pela fé, pelo amor e pela observância da lei, será despejado no esgoto de sujeira eterna. E Deus viverá e reinará para sempre, não apenas na unidade de Sua natureza e na associação das três Pessoas divinas, mas também na plenitude do Corpo Místico de Seu Filho Encarnado e no cumprimento da Comunhão dos Santos!”.

            Caros leitores, agora deve estar bastante claro que o Cardeal Pie, mesmo com toda a escuridão em sua visão do futuro, não se deu por vencido. Enquanto enxergava com absoluta clareza a situação humanamente sem esperança na qual a humanidade estava se colocando, ele distinguia com igual clareza o modo de ver humano do divino: muitos homens no século XIX estavam a desafiar o Deus Todo-Poderoso e a transformar a si mesmos em peões de Satanás e forragem para seu terrível Inferno; e, todavia, o propósito sublime de Deus para as almas dos eleitos, que deviam escolher amá-Lo e servi-Lo visando ao Seu Céu, estava, ao mesmo tempo, sendo alcançado. Verdadeiramente, “todas as coisas concorrem para o bem daqueles que amam a Deus” (Rm 8, 28).     

            Hoje, em 2014, podemos facilmente perder de vista o propósito de Deus ao pensarmos de um modo demasiado humano sobre o mal que avança em torno de nós. Mas o propósito de Deus não é salvar a civilização enquanto o homem deseja destruí-la. Seu propósito é levar almas para o Céu através de Seu Filho Jesus Cristo, e, para isto, o colapso da civilização e de todas as ambições e esperanças terrenas pode bem servir para forçar as mentes e corações dos homens a se elevarem acima das considerações mundanas. Deus não nos criou apenas para esta vida tão curta, nem para este mundo corrupto. “Não temos aqui uma cidade permanente, mas vamos buscando a futura” (Hb 13, 14).


Kyrie eleison.